Trabalhar por minha conta é poder deixá-la dormir até quando quiser, enquanto adianto prosas na sala, embalada pelo barulhinho plástico das teclas. E, depois, quando ela por fim desperta, poder deitar-me com ela no chão da sala, ao seu lado, cheirando o perfume quente do seu pescoço acabado de sair da cama, espreguiçando o sono dela e o meu, com vagar. É poder tocar-lhe na mão, ficar com os seus braços de volta de mim, olhá-la nos olhos, ainda inchados de sonhos, e dizer-lhe baixinho «Amo-te», ouvindo de resposta outro «Amo-te» afogado por uma chucha que consola a boca e o mimo. É estarmos assim, as duas, lado a lado com as costas bem estendidas na madeira, o olhar posto no tecto e as mãos uma na outra, entrelaçadas. Só assim, em silêncio, até uma de nós se fartar do vazio dos sons. É poder dar-lhe beijos lentos e redondos, e suspender o seu pequeno corpo no ar, pousado nos meus pés, e ouvir aquele riso mole e verdadeiro de quem acabou de abrir os olhos para o mundo, um riso fresco que promete um dia de descobertas e uma vida inteira de promessas. Hoje já não preciso de mais nada para ser feliz.
